A dosimetria penal no centro do debate jurídico brasileiro
A discussão em torno do Projeto de Lei da dosimetria penal ganhou centralidade no debate jurídico brasileiro por tocar diretamente um dos pilares do Estado Democrático de Direito: a limitação do poder punitivo estatal. A forma como as penas são fixadas pelo Judiciário impacta não apenas o réu, mas a própria credibilidade do sistema de Justiça, especialmente quando se observa a necessidade de previsibilidade, proporcionalidade e segurança jurídica.
A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu artigo 5º, inciso XLVI, o princípio da individualização da pena, determinando que a sanção deve ser aplicada de maneira proporcional e adequada às circunstâncias do caso concreto.
Esse comando constitucional é regulamentado pelo artigo 59 do Código Penal, que impõe ao magistrado à análise de critérios objetivos como culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime.
O problema surge quando da aplicação desses critérios ocorre sem parâmetros claros e uniformes. A ampla discricionariedade judicial, embora necessária, não pode se converter em arbitrariedade. O Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento de que a dosimetria da pena deve ser devidamente fundamentada, sob pena de violação aos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da motivação das decisões judiciais, conforme o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal.
Nesse contexto, o Projeto de Lei da dosimetria penal surge como uma tentativa de aprimorar o sistema, oferecendo balizas mais objetivas para a fixação das penas. O objetivo central é reduzir distorções, evitar decisões excessivamente díspares em casos semelhantes e fortalecer a isonomia, princípio consagrado no caput do artigo 5º da Constituição Federal.
Críticas ao projeto apontam para um possível engessamento da atividade jurisdicional. Contudo, a segurança jurídica também constitui valor constitucional relevante. O Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido que a elevação da pena-base exige fundamentação concreta e individualizada, não sendo suficiente a invocação genérica dos vetores do artigo 59 do Código Penal.
A Justiça não pode ser automática, mas também não pode ser imprevisível. A ausência de parâmetros objetivos fragiliza a confiança social no sistema penal e amplia a percepção de seletividade. Discutir a dosimetria é discutir os limites do poder estatal e a maturidade institucional do país.
O Projeto de Lei da dosimetria representa uma oportunidade de amadurecimento legislativo. Mais do que restringir o Judiciário, a proposta busca harmonizar a individualização da pena com os princípios da legalidade, da proporcionalidade e da segurança jurídica, fortalecendo o Estado Democrático de Direito.
O que pode ser um complicador ao projeto é a politização do instituto jurídico como mecanismo de aliviar políticos ou criminosos de suas penas pré-estabelecidas sobre o pretexto da retroatividade da execução penal e da proporcionalidade – princípios autorizadores da norma penal, mas que podem ou não serem aplicados de forma incoerente.
Independentemente da aprovação ou não do projeto, o debate é necessário. A dosimetria da pena deve ser instrumento de Justiça, jamais de excessos ou de discricionariedade desmedida. Somente com critérios claros, fundamentação sólida e respeito à Constituição será possível garantir um sistema penal mais justo, coerente e confiável.
Danúbio Cardoso Remy Romano Frauzino é advogado, mestre em Direito Público
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