Biografia de Lira Neto tenta explicar Oswald de Andrade: escritor era mais 350 do que Mário?

Quem era Oswald de Andrade (1890-1954)? Há quem o imagine como um ricaço que vivia de rendas — um bon vivant — e saía com mulheres belas, glamurosas e famosas, como a pintora Tarsila do Amaral e a escritora Patrícia Galvão (Pagu).

Há quem queira vê-lo como um flâneur, que conhecia as ruas, bares, restaurantes e museus de Paris tão bem quanto os de São Paulo. Quem sabe, um glutão.

Há quem o perceba como um comunista que, na prática, parecia anarquista. Há quem acredite que era um indivíduo afeito a escândalos e frases de efeito espetaculosas (sobre Mário de Andrade, por exemplo).

Há quem queira notá-lo como um poeta menor do que Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto.

Há aqueles que o percebem como um dos papas da Semana de Arte Moderna, ao lado de Mário de Andrade e Graça Aranha (que era tripudiado pelos modernistas mais, digamos, modernistas).

Da Semana de Arte Moderna, segundo alguns, seria o mais revolucionário — tanto na literatura quanto na vida pessoal (o rico escandaloso que se tornou de esquerda e se casou com a comunista Pagu, depois de ter abandonado a artista plástica Tarsila do Amaral). Os seres, quando amam ou não, nunca são perfeitos. Talvez nem Deus seja porque, se criou (se é que criou) um ser tão imperfeito, o homem, não era um ser superior tão prefeito assim.

Há quem, como os irmãos Campos — Augusto e Haroldo, os poetas concretos —, o perceba como um bardo maior, uma Cordilheira dos Andes acima de Mário de Andrade e outros igualmente votados.

Há os que o apontam como um prosador de primeira linha, assim como dramaturgo do time titular.

Para usar uma terminologia de Mário de Andrade, que, de amigo íntimo (nada a ver com sexo, diga-se), virou inimigo visceral, talvez seja possível sugerir que Oswald de Andrade (ou Ósvaldo, como dizia Mário de Andrade — os dois não eram parentes) não era um nem dois. Era trezentos e cincoenta. Algo assim.

Então, para entendê-lo, primeiro é preciso explicar seu tempo, a cultura (e os escritores e artistas) de sua época, para entender por que era (e é) um homem e criador literário tão complexo, tão muitas coisas, tantos indivíduos num corpanzil só.

A tarefa de um biógrafo (e Lira Neto é um excelente biógrafo, um dos melhores do país, ao lado de Fernando Morais e Ruy Castro) talvez seja determinar ou mostrar o lugar do personagem examinado na história da literatura (e do país, claro) e entre seus pares — os anteriores (o modernismo “rompe” com ismos, como o parnasianismo de Olavo Bilac e cia), os coetâneos e os posteriores.

Por certo, Oswald de Andrade merece um lugar entre Machado de Assis, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Raul Bopp, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Bernardo Élis, Nelson Rodrigues, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Cecília Meireles, Haroldo de Campos, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Teles, Adélia Prado, Yêda Schmaltz, Régis Bonvicino, Ronaldo Costa Fernandes, Salomão Sousa, Edival Lourenço. Um lugar honroso.

A obra de Oswald de Andrade permanece ativa-viva — é atemporal na sua universalidade? Parece que sim, inclusive no humor corrosivo.

Mas a tarefa de explicar sua arte, de maneira ampla, nem é dos biógrafos — como Maria Eugênia Boaventura e Lira Neto —, e sim dos críticos literários (gente da estirpe de Antonio Candido, Silviano Santiago, Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Roberto Schwarz, Luiz Costa Lima, Kathrin Holzermayr, Alcir Pécora, Luís Augusto Fischer, entre tantos outros).

No dia 11 de fevereiro deste ano, Lira Neto lançará “Oswald de Andrade — Mau Selvagem” (Companhia das Letras, 528 páginas). A edição custa R$ 129,90 e já pode ser pedida no site das livrarias, inclusive no da editora. Entrou para minha lista de leitura penelopiana, assim como “O Livro de Catulo”, organizado e analisado por João Ângelo Oliva Neto A edição da Edusp é fantasticamente bela.

Osvald de Andrade viveu 64 anos. Três a mais do que seu biógrafo, Lira Neto, que fará 61 anos em dezembro.

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